quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ANÁLISE // Rita, o reencontro

Em certas e raras situações, o jornalismo proporciona o reencontro entre o repórter e o personagem. Um dia, um mês, um ano depois... para mim estabelecer esta relação sempre foi difícil. É preciso se aproximar, mas também é fundamental manter distância. Como fazer isso? Simplesmente não há uma resposta pronta. Resta tentar entender/sentir o momento e não forçar a barra. Esta linha é sempre tênue.

"Dessa vez, não vou falar nada. Minha foto saiu em todos os jornais e eu não ganhei nada com isso. Ninguém veio me ajudar. Meus filhos não me procuraram. Não mudou nada na minha vida. Continuo aqui".

Foi assim que Rita Gonçalves nos recebeu (estava mais uma vez ao lado da fotógrafa Alcione Ferreira)um ano depois da publicação do especial "As veias abertas do Recife". Menos aberta, mais amarga. Com razão.

Muitas vezes, o entrevistado cria expectativas exageradas em relação a uma matéria de jornal, uma reportagem na tv... e, quase sempre, não está preparado para uma reação negativa. Acontece.

Rita imaginava que, ao ler o texto de 2005, os seus filhos poderiam mudar de postura, resgatá-la daquele cenário degradante e ainda mais assustador um inverno depois. Aconteceu o oposto. "Disseram que eu fui ridícula em aparecer no jornal", desabafou a ex-prostituta(em uma frase que, não lembro exatamente o motivo, optei por não incluir na segunda reportagem).

Talvez resumisse tudo. O tempo que, no fundo, não passou entre 2005 e 2006.

Sem o desabafo direto, o mesmo sentimento foi contado com outras palavras. Abaixo, coloco alguns trechos:


UM ANO DEPOIS...

No momento de fragilidade em que foi fotografada chorando, ela falava dos filhos que a deixaram pra trás. Do abandono. Da extrema pobreza. Da desilusão. Dos sonhos que não passaram de sonhos. Da vida que sequer deveria ser chamada de vida. Do passado...que ainda não passou.
(...)
Exatamente um ano depois, reencontramos a mesma Rita em sua casa - entre as paredes úmidas sem pintura e os velhos móveis amontoados se equilibrando com cada vez mais dificuldade, por trás dos panos e remendos encardidos que encobrem improvisos e embaixo da lona plástica que protege das goteiras e dos pedaços de telhado que, "sabe Deus como", resistiu a mais um inverno.
(...)
Estamos no Bairro do Recife, a poucos metros do Paço Alfândega e do Porto Digital. No segundo andar de um prédio que venceu o tempo. Ou melhor, foi derrotado por ele. Abandonado. Para quem olha de fora, é difícil acreditar que alguém vive ali. Para quem olhar por dentro, é impossível.
(...)
Lá dentro, a estranha impressão de que o tempo simplesmente não passou. Numa das paredes, resiste um calendário de 2005. No varal que cruza o pequeno cômodo em que Rita vive, a mesma camisa que ela usava ano passado. Nos olhos dela, a mesma desconfiança que logo se abre, se rende, se umedece - vira tristeza.
(...)
Sete pessoas continuam vivendo nos cubículos do segundo andar, cujo aluguel diminuiu de R$ 200,00 para R$ 150,00. Agora, nem a proprietária vai até lá buscar o dinheiro, que passou a ser depositado por Rita. Embaixo, uma velha placa de "vende-se". "Faz mil anos que essa placa está aí. As pessoas vêm aqui, olham e não voltam", conta a moradora que ainda espera pela sua vez de ir embora dali e nunca mais voltar.

"Espero que seja antes do próximo inverno" - disse Rita. Pela segunda vez

Um comentário:

Maurício Penedo disse...

Esperança cega. Que todos temos. O mais interessante é saber que milhares de pessoas passam na frente desse prédio todos os dias (eu mesmo o fotografei) e não sabem da história por trás das paredes. Quantas e quantas histórias se perderão no tempo sem nem sequer serem conhecidas?