quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As três capas de Ludmila


Esta foto de Ludmila França, "uma menina de olhos amarelos com hepatite fulminante" - como definia a reportagem escrita por Juliana Colares - apareceu em três capas do Diario de Pernambuco. Porém, apenas duas dessas capas foram para as ruas. A outra precisou ser deletada quando já estava no parque gráfico, pronta para se transformar em milhares.

Eram quase 23h do domingo. Já havia saído da redação e estava jantando em um restaurante. Lá, eu contava a impressionante e emocionante história que estaria na capa do Diario do dia seguinte. Um verdadeiro milagre mudaria o destino daquela menina dos olhos amarelos.

O drama de Ludmila havia sido a manchete do Diario no domingo: "TRANSPLANTE, na fila pela vida". Entre as histórias de pessoas que esperavam por um órgão, a dela era a mais forte. Talvez pelo olhar da fotografia, mas principalmente por uma informação que a repórter - corretamente - preferiu nem colocar no texto. Sem um fígado novo, Ludmila - que veio do Maranhão para o Recife na luta pela sobrevivência - teria apenas 10 dias de vida.


Mas como eu contava, um milagre aconteceu. Ainda na madrugada do sábado para o domingo, um homem de 42 anos morreu vítima de um AVC no Ceará. O fígado compatível foi trazido às pressas para o Recife. O transplante foi um sucesso. O texto da reportagem descrevia: "Ludmila passou 20 horas com o fígado novo. A cirurgia transcorreu bem e ela chegou a ficar totalmente consciente. Até conversou".

"O milagre da vida". Esta seria a manchete do Diario na segunda-feira, 27 de abril de 2009.
Mas esta capa nunca foi publicada.

Durante o jantar, o meu telefone tocou. Da redação quase vazia, veio a terrível notícia: Ludmila havia morrido pouco depois das 22h. O próprio médico ligou.

De volta ao jornal, às pressas, para deletar o final feliz.

Agora, mais de dois anos depois, relendo todo o materal, dois momentos captam a tristeza dessa história.

O primeiro deles foi publicado no texto assinado por Ana Braga e Juliana Colares: À tarde, quando deu entrevista ao Diario sobre o transplante da filha, Eric falava dos planos de Ludmila. "Como toda criança, ela quer comer chocolate e se banhar na praia", respondeu à pergunta sobre os primerios desejos da menina, após o transplante."Pai, finalmente a gente vai poder voltar para casa", disse a menina,quando recebeu a notícia de que, enfim, havia sido encontrado um doador para ela.

O segundo está nos comentários da página. Sem data. "Sinto muita falta da Ludmila, choro todo dia. Não sei como suportar a falta que ela me faz.". Quem é assina é Eric dos Anjos. O pai.

De todas as capas que já fiz no Diario, esta foi a mais difícil.

Assim é o jornalismo.



*as fotos são da autoria de Alcione Ferreria/DP

Um comentário:

Maurício Penedo disse...

Fred, você ficou sabendo o motivo da morte dela? Rejeição ao órgão, algo do tipo?

Impossível não se envolver. Se conseguisse isso, teria de procurar outra profissão.