segunda-feira, 12 de setembro de 2011

REPORTAGEM // Manari e os dias melhores

"Aqui até o nada serve". Esta frase deu o tom final da reportagem que começou a ser publicada ontem no Diario sobre a cidade de Manari. Quem disse a frase foi a agricultora Teresa Maria dos Santos, de 54 anos. Uma mulher que construiu a sua vida naquele município do Sertão, que só foi emancipado em 1997, fica a 318,4 quilômetros do Recife e que não aparece em nenhuma das sinalizações da estrada. Um lugar perdido, esquecido, imerso em miséria e condições de vida subumanas, que parecia condenado a a ficar para sempre escondido por trás da poeira da areia do único caminho que leva até a cidade. Parecia.


No rastro da poeira dos números levantados pelo censo demográfico do IBGE em 2000, Manari apareceu. Da pior forma possível. No cruzamento de dados elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2004, a cidade apresentou o mais baixo índice de desenvolvimento humano do país (0,467). Altíssimas taxas de miséria, pobreza, analfabetismo e mortalidade infantil. Péssimos níveis de acesso àsaúde, à educação e ao saneamento básico. Uma esperança de vida de 55,7 anos.

Teresa Maria está com 54. Mas a sua esperança de vida hoje, já não se mede. Esperança é uma palavra que a agricultora cultivou a vida inteira, mas foram raras as vezes que colheu os frutos. Uma vida simples. Sem chances de mudança: "Nunca pude ir para a escola. Minha família toda vivia na enxada e eu comecei a trabalhar na roça aos oito anos". Roça que garante a sua sobrevivência até hoje. "Tudo o que planto é para alimentar a minha família. Às vezes, dá pra sobrar uma coisinha...aí a gente vem vender na feira", diz Teresa - que não revela quanto consegue receber nessas pequenas vendas.

Depois de minutos de conversa, começa a ficar um pouco mais fácil entender o que ela quis dizer com "aqui até o nada serve". O "nada" de hoje, simplesmente, é melhor que o "nada" de ontem. "Vivíamos morrendo de sede aqui. Não tinha médico, remédios, nem escola. Sempre fomos pobres, mas hoje a gente acorda sabendo que vai viver", diz. Sua vida mudou.Pouco, mas mudou. Sua mãe tem 80 anos e uma saúde tranqüila. Viveu além da "esperança" da cidade. Seus quatro filhos reescreveram a história da família e aprenderam a escrever. Todos estão na escola. E Manari aprendeu a lição.


Sombrinhas
São 13h de uma terça-feira e o comércio está fechado na área urbana de Manari. E ficará assim pelo menos até às 15h. Pela rua, poucas pessoas caminham embaixo das suas sombrinhas para se proteger do sol. Aquele sol que se imagina de uma cidade do Sertão. Nas sombras das árvores, homens conversam embaixo dos seus chapéus. Passa um carro sem carroceria. Passa um porco. Dois homens estão quebrando o calçamento. Na verdade, construindo um futuro que demorou demais para chegar. Água encanada e saneamento básico. Dias melhores. Duas meninas com sombrinhas cor de rosa e cadernos na mão conversam baixinho enquanto seguem para a escola. Sorriem para a câmera.

Do outro lado da rua, uma pequena casa de muro verde e azul. Porta e janela. Telhas velhas. Na fachada, letras pretas e vermelhas avisam: AGÊNCIA DE VIAGENS. MANARI A SÃO PAULO. Por muitos anos, ali estava a saída. A saída de Manari. Se não a única, certamente a mais tentadora e, por isso mesmo, a mais comum. Todas as quintas, parte o ônibus. Clandestino. A passagem é R$ 180,00. A viagem, se tudo der certo, de dois dias. Conversando com as pessoas pelas ruas, é praticamente impossível encontrar alguém que não tenha ao menos um familiar em São Paulo.

"Todas as pessoas mais velhas têm família lá. Algumas bem estruturadas. A maioria, no entanto, ainda passa muitas dificuldades", conta Rogério Silva, 25 anos e comerciante na feira do município. Ele nunca teve um emprego com carteira assinada. Na verdade, qualquer tipo de emprego - que não seja ligado à Prefeitura - é algo praticamente inexistente ali. O pouco dinheiro que circula no tímido comércio da cidade é quase todo proveniente das aposentadorias e do funcionalismo público.

A condição de Rogério é até uma exceção. Vende verduras na feira e consegue tirar até R$ 350,00 por mês. Dinheiro suficiente para sustentar ainda a sua esposa e o filho de um ano e seis meses. Milagres...necessidades de Manari. Rogério já foi uma vez para São Paulo. Voltou e não tem planos para entrar de novo no ônibus das quintas-feiras.

Ele ficou e viu a cidade começar a mudar nos últimos dois anos. Debaixo dos seus pés, estão sendo construídos o encanamento para a água e a estrutura para a implantação do sistema de esgoto. Cisternas foram espalhadas pelos sítios na zona rural. A água da chuva consegue ser reaproveitada. Serviços básicos que, nesse caso, têm um significado muito maior. Falam em desenvolvimento. Pela primeira vez, como se este fosse realmente possível. As duas escolas foram reformadas. Os alunos agora podem completar o ensino médio sem ter que sair da cidade. O hospital teve as instalações recuperadas e, o mais importante, todos os dias, existe pelo menos um médico de plantão.

Desvio
"Sem a água encanada e o saneamento, não tem nem como imaginar um empresário de fora vir aqui, investir, montar uma fábrica, um hotel...", explica Lucas Bezerra, 28 anos, assessor do prefeito Otaviano Martins - que mora na cidade vizinha e quando está em Manari acaba atraindo uma pequena multidão para a frente da Prefeitura. Pessoas que precisam e pedem ajuda. Dinheiro, cestas básicas, remédios, materiais de construção. Otaviano costuma atendê-las. Um desvio de função, é verdade. Mas um tanto compreensível para quem está ali.

"Depois da cidade ter aparecido como a última colocada no IDH do país, os olhos das pessoas se voltaram pra cá. Todos passaram a ajudar. Foi algo ruim que trouxe coisas boas", resume Lucas - que, assim como toda a cidade, espera um futuro melhor.

O jornalismo às vezes tem uma lógica perversa. Vendo a miséria sumindo aos poucosno retrovisor, fica a certeza de que, no próximo censo do IBGE, aquela não será mais a cidade com pior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil e certamente, não estará mais na rota das equipes reportagens - que seguem ávidas os rumos que as pesquisas e análises sociais revelam. Manari desaparece na poeira.


As fotos são de Juliana Leitão/DP

2 comentários:

Maurício Penedo disse...

Grande matéria. Me faz pensar na real "crueldade" desse tipo de jornalismo. Fazer sua parte, mostrar, denunciar. E depois?

Anônimo disse...

Esse é papel da comunicação social. Revelar situações; denunciar injustiças; mostrar os números que, neste caso, são os da miséria. Mas o dever de reverter a vida das pessoas de Manari e de tantos outros municípios situados abaixo da Linha do Equador e com elevado índice de pobreza é o da força política que, parece se esconder sob o amarelão da poeira. Você nobre escritor, cumpriu esplendorosamente seu ofício.